Little Peggy March estava contente, como uma adolescente pode estar contente. Ela tinha quinze anos, e havia se tornado a mais jovem cantora a entrar no Billboard Hot 100 (n.º 1) com a canção I Will Follow Him, em 1963. Os versos e a melodia iam direto aos corações dos adolescentes da época. Afinal, ela era uma delas.
No Brasil, uma outra Little Peggy March, Celly Campelo, estava fazendo sucesso com canções semelhantes. Bobinhas, levemente agitadas – Celly fez sucesso com quinze anos – e que registravam o espírito da época. Ela estourou nas paradas de sucesso com Estúpido Cupido e Banho de Lua. Mas Celly era uma jovem como as jovens da época. Desistiu da carreira musical e se casou, com vinte anos, foi morar em Campinas com o marido e teve dois filhos, como devem fazer as mocinhas de família. Isso foi em 1962.
Neste cenário, um garoto em busca de sucesso achou seu rumo. Roberto
Carlos gravou Splish Splash, um daqueles casos em que a versão é melhor do que o original. Retratando aqueles tempos, a canção fala do escândalo causado por um beijo no cinema. Um beijo no cinema? Estourou nas paradas e firmou a posição de Roberto e Erasmo Carlos no rock nacional.
Naquele ano de 1963, um grupo, The Cascades, subiu ao primeiro lugar do pódio durante algumas semanas com uma canção, Rhythm of the Rain. No Brasil ela foi lançada por um jovem cantor topetudo, Demétrius, e fez muito sucesso. Eydie Gorme entrou nas paradas de sucesso,com uma canção deliciosa, Blame it on the Bossa Nova. Nada a ver com bossa nova. Só embarcou na onda. Mas o retrato da época está lá, inteiro. As garotas queriam noivar, casar e ter filhos.
A tempestade fora anunciada nos anos 50: Elvis, no começo da carreira, Chuck Berry, Jerry Lee Lewis e outros haviam cantado os novos tempos. Mas não por acaso, a carreira dos três havia sofrido um baque por razões morais e raciais. Elvis The Pelvis era demais para os caipiras reprimidos da época. Foi servir o exército para acalmar a torcida. Chuck Berry tinha o péssimo hábito de gostar de loirinhas em um tempo em que penduravam negros nas árvores do Sul. E Jerry Lee Lewis escandalizara os conservadores ao casar com a prima adolescente. A revolução roqueira tinha sido domesticada nos Estados Unidos.
Em março de 1963, um grupo de adolescentes de Liverpool lançou um álbum. Chamava-se Please Please Me. A canção título anunciava os novos tempos. O tema? Aquele que estava na mente de todo adolescente carregado de hormônios. Mas ia além. Não se tratava daquilo que havia sido santificado pela religião e costumes. Nada disso. O blow job ganhara um hino, sob o manto de uma conversa de namorados.
Em seguida eles lançaram um single, I want to hold your hand. A canção expressa uma contagiante e eletrizante sensação de felicidade amorosa que ia direto ao coração dos ouvintes. Superficialmente uma canção de amor adolescente, como qualquer outra (pegar na mão da mocinha era o máximo que os namorados poderiam se permitir), o sentido era claro. E os garotos e garotas sabiam do que se tratava. Com arte e sutileza, Lennon e McCartney falaram daquilo (something) que estava na cabeça de todos. E não era noivar, casar, ter filhos e morar no subúrbio. E tudo embalado em uma batida contagiante que agitava a piazada.
Os músicos imediatamente perceberam que algo havia mudado. A Wikipedia registra algumas reações. Bob Dylan – que já era um sucesso naquele mesmo ano de 1963 – disse que eles estavam fazendo coisas que ninguém fazia. Os acordes eram “ultrajantes”, mas as harmonias tornavam tudo válido. E ficou surpreso quando soube que eles não fumavam maconha (ainda). Brian Wilson, dos Beach Boys, surtou. “Eu imediatamente soube que tudo havia mudado”.
Um radialista em Washington furou o bloqueio da Capitol Records e divulgou a canção antes que a gravadora a lançasse nos Estados Unidos, obrigando-a antecipar o lançamento, que ocorreu em 26 de dezembro de 1963. Foi um tsunami. Em quatro semanas passou a ser o disco mais vendido nos Estados Unidos. Só abandonou o posto para outra canção, dos mesmos Beatles, Love me Do. Não dava mais para esconder. A tempestade desabara, e o mundo nunca mais foi o mesmo.
Todas as canções citadas se transformaram em clássicos, por motivos diversos. Nostalgia, em parte, mas principalmente porque são belas canções. Novas gerações têm redescoberto o seu frescor, como Fernanda Takai, que regravou Ritmo da Chuva. Leo Jaime e Adriana Calcanhoto gravaram Gatinha Manhosa, de Erasmo Carlos. O amor e a inocência nunca saem de moda. I Will Follow Him hoje é mais conhecida como uma canção religiosa, graças a inúmeras versões que enfatizam seu lado espiritual. No filme Mudança de Hábito, com Whoopi Goldberg, o Papa aplaude o coro de freiras que canta com a alegria dos que caminham com Deus. Andre Rieu fez uma versão gospel em que uma grande orquestra acompanha um coro multiétnico e multirracial. A plateia fica eletrizada. Mulheres finas e chiques se levantam para dançar. Espetacular. O megaconcerto está no Youtube.Lennon e McCartney escreviam as canções de maneira descuidada, segundo eles mesmos. I want to hold your hand foi uma parceria destas. Dois garotos brincando de fazer música na casa da namorada de Paul. Eles não sabiam que estavam fazendo uma revolução.

- Hatsuo Fukuda, advogado e ex-procurador do Estado.