HomeAgenda CulturalPiolla flerta amores perdidos na inquietude

Piolla flerta amores perdidos na inquietude

E agora, o que faremos? Poesia, esses canalhas não suportam poesia – charge do mundo poético

Zé Beto Maciel

Há de quase tudo em “Ecos da Inquietude” – primeiro livro de poesia do jornalista Gilmar Piolla, edição do autor em 226 páginas, prefaciado por Caco de Paula – mas principalmente a procura do amor ou dos amores perdidos, algo às raias do comum entre os poetas que amam e, por vezes, dão vexame. Ou como diz Ariano Suassuna: “eu só acredito em gente apaixonada. Se você é muito racional, não tem futuro”.

Os 213 poemas publicados por Piolla, a maioria curtos que se espelham em haicais de Leminski, registram o cotidiano de um olhar que apetece às coisas da vida, sejam elas boas ou frívolas, em versos livres de desencanto ou de contentamento. Aqui vale um parêntese: Leminski e Alice Ruiz tropicalizaram o estilo e a forma poética japonesa expoente de Bashô. Embora pareça fácil escrevê-lo, um haicai perfeito tem três versos de cinco, sete e cinco sílabas. Comece e vai tentando.

Voltando ao livro do Piolla. Ele teve o mesmo estupor que eu quando vi o sol e a lua no mesmo prisma no Lago Itaipu. Meu verso é esse “E o sol e a lua buscavam a mesma paisagem” em “Quem você procura?”. Já Piolla é mais claro e direto em “Celestial”: “Pensei que fosse miragem,/mas era só encontro do sol e da lua/no Lago de Itaipu”.

Faço questão de mostrar esses versos com a temática da minha terra porque dos anos 80, 90 e aos primeiros anos de 2.000, eu brigava e achava muito estranho que toda a produção artística (literária, musical, etc) da região pouco ou nada transparecia do que rolava por aquelas bandas. Piolla escreve sobre as Cataratas do Iguaçu, os marcos das três fronteiras, a usina Itaipu, a ponte da amizade, a tríplice fronteira, o corredor da biodiversidade, a floresta, os bugios, a geada e o lago Itaipu.

Agora, vou desnudá-lo. Do conjunto de poemas escritos por Piolla, os que cortam na carne são os que tratam dos sentimentos mais insanos e inconsequentes. “Foda-se o sentimento/eu quero é tomar vinho/sentir é um tormento”. Em “enganos”, um poema de seis estrofes, o poeta dilacera e cobra: “te dei a chave/do meu coração/partido/você entrou sem avisar/ de improviso”. “Amor se vai/caminhão sem freio/estrada afora”.

Em “Esqueça”, Piolla vai na crueza da alma: “Esqueça que eu te amo/esqueça que um dia fomos amantes/esqueça meu nome, minha voz/as carícias que trocamos/as promessas quebradas/apenas me esqueça”. E depois de dias estrofes, arrebata: “Esqueça, pois me esquecendo/voltaremos a ser desconhecidos/e, quem sabe, renascidos/um para o outro, mais uma vez”. Qualquer semelhança com “um brilho eterno de uma mente sem lembrança” não é mera coincidência.

Piolla fala da morte – “A morte, meu amigo, não tem freio/num piscar de olhos, apaga a luz/sem convite, chega e nos seduz/vira tudo ao avesso, sem receio” – da companhia: “sem a tua companhia, o café esfria, o vinho muda o tom/a roupa desajeita/a poesia perde a rima/e até a comida perde o sabor” e da saudade: “dor que não dói/mas cutuca, amor que se foi/mas caduca”.

Esquecimento e Viagem são os dois últimos poemas no livro: “É por esses brasis/que os cabrais/ainda não descobriram/É por esses brasis/que os postais/nunca coloriram/É por esses brasis/que os estranhos/tanto ignoram/É por esses brasis/que caminham/os meus personagens”.

O poeta ainda tem boas tiradas como “a vida por um triz/escrevo minha história/com letras de giz”, “Mente é labirinto/quis decifrar o mundo/perdi a saída”, entre outras.

As 226 páginas também trazem poemas clichezados e pueris, mas eu tenho uma certeza: Piolla deve e tem que seguir na sua prática poética – todos temos um estilo e um jeito de escrever e muito daquilo que escrevemos diz respeito aos momentos que vivemos e passamos.

Sobre o ato de escrever, Rubem Fonseca disse algo como “todos os dias, eu corto os pulsos e vou à máquina de escrever”. A geração beat nos presenteou com o “fluxo contínuo de pensamento” (Pé na Estrada de Jack Kerouac) e com William Burroughs na narrativa fragmentada e caótica caracterizada pelo uso do cut-up (recorte) em Almoço Nu.

De tudo isso, aprendi muito com o jeito paraguaio de observar e volto ao epígrafe desta resenha: escrever poesia hoje é um ato de rebeldia. “Ressuscita-me, nem que seja só porque você esperava como um poeta, repelindo o absurdo cotidiano” – Maiakovski.

Zé Beto Maciel é jornalista e poeta de Foz do Iguaçu. Mora em Curitiba

MAIS LIDAS

ÚLTIMAS