Celine Song está com um novo filme na praça, Amores Materialistas. Song, roteirista e diretora, fez um tremendo sucesso no Oscar/2024 em seu filme de estréia, Vidas Passadas (duas indicações, de melhor filme e melhor roteiro original). Trata-se de uma quase comédia romântica, com um elenco estelar: Chris Evans (o Capitão América), Pedro Pascal (que está em cartaz no filme Quarteto Fantástico) e Dakota Johnson (de Cinquenta Tons de Cinza).
Lucy é uma bem-sucedida matchmaker de New York, ou seja, uma casamenteira, para clientes ricos e bem situados na vida que não querem se misturar à patuléia nos Tinder e OkCupid da vida. Ela conhece Harry, um homem que em sua agência de encontros seria considerado um unicórnio, ou seja, tudo o que as mulheres desejam na vida: rico, alto, sexy, de boa família, educado, inteligente e gentil. Harry é um cara bacana, mesmo sendo milionário. Song não compactua com os preconceitos da plateia: um cara rico pode ser um cara legal. E aqueles que se lembram de Pascal como o príncipe Oberyn Martell na série Game of Thrones sabem o quão sexy ele é, mesmo vestido.
John, o ex-namorado, é um ator que aos trinta e sete anos continua fazendo peças quase amadorísticas e para ganhar a vida trabalha como garçom (há milhares iguais a ele em NY). Divide um apartamento que é quase um cortiço com outros dois seres igualmente patéticos. Mas John ama Lucy e tem com ela uma profunda empatia. Eles se conhecem e se gostam apesar de suas diferenças.
Celine Song, grande mestra do cinema, não desperdiça tomadas. Na mesma cena em que Lucy conhece Harry, ela nos apresenta o garçom John (Chris Evans). Sem que ela pedisse, mostrando como ele a conhece, John a serve com uma Coca-Cola e cerveja. Ela se levanta para abraçá-lo, feliz por reencontrá-lo, mesmo após o desastroso final de seu relacionamento.
Cerveja com Coca-Cola. Em um casamento chique, onde champanhe Dom Perignon está rolando como água. Isso dá o que pensar.
A lindésima Dakota Johnson tendo que escolher entre o sexy e rico Pedro Pascal e o mais sexy e pobretão Chris Evans? Em New York? Esta é a história do filme.
Uma mocinha na plateia, mais avançada, comentou que ela deveria fazer um trisal. Outra, cínica, achava que o ideal seria Lucy casar com Harry, o cara rico e legal, e pegar John como amante. Todos ficariam satisfeitos.
No meu cantinho de observador, lembro que a questão não é nova. Jane Austen escreveu todos os seus livros com essa temática: casar por amor ou por dinheiro? Naturalmente, escrevendo para jovens solteiras na Inglaterra do século XVIII/XIX, o amor sempre vencia ao final (mas nunca numa cabana miserável). Como todo grande escritor, no decorrer das tramas, Austen, sempre bem-humorada (e cínica), mostra que as escolhas nunca são fáceis. A vida não é em preto e branco. O que faz com que ainda hoje ela seja lida com avidez.
Celine Song, uma coreana de nascimento (criada no Canadá e morando em New York), não é neófita em matéria de casamentos arranjados. Ela trabalhou como matchmaker em New York. Trata-se de um mercado, em que se avaliam peso, altura, dinheiro, educação e outras qualidades dos candidatos. Estes são commodities, como soja, milho, café, petróleo, com valores intrínsecos. Nada a ver com amor, amizade, sentimentos ou mesmo afinidades que criam laços duradouros. Deste ponto de vista, é um negócio como qualquer outro. Mas, ao contrário dos negócios, em que como diziam os antigos, pecúnia non olet (dinheiro não tem cheiro), no negócio do casamento as idiossincrasias abundam. Eles querem casar, mas não querem qualquer um. No decorrer do filme Song mostra os critérios dos clientes na escolha dos parceiros. São talvez as cenas mais divertidas. (Song conta que abandonou o emprego de matchmaker porque se divertia muito e isso a distraia de seu trabalho de dramaturga).
O trailer do filme dá a entender que é uma comédia romântica, mas na verdade é um drama romântico leve, a sutileza por conta da diretora e roteirista. Adorei a cena final, quando passam os créditos. Mostra como na vida real a esperança vence a experiência. É comovente. Somos humanos, demasiado humanos. Como nos livros de Jane Austen.
Amores Materialistas está em cartaz nos cinemas. Direção e roteiro de Celine Song. Com Dakota Johnson, Chris Evans e Pedro Pascal. Destaque para Zoe Winters no papel de Sophie, uma cliente de Lucy.

- Hatsuo Fukuda, advogado e ex-procurador do Estado.