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Os Pecadores (The Sinners), é um dos melhores filmes do ano

Preparem a pipoca, a gasosa, a pizza. Vai começar a diversão. The Sinners (Os Pecadores), um filme de vampiros, está na praça, com direito a mordidas no pescoço, gritos, estacas de madeira, alho e esguichos de sangue. Haja sangue, haja estacas no coração, haja coração. O clássico filme de vampiro (ou zumbi), em que um grupo de heróis é cercado por uma horda sedenta de sangue, que diverte as plateias de adolescentes do mundo inteiro, encontrou em Ryan Coogler um desafiante à altura dos clássicos que o antecederam.

Fuligem e Fumaça, nossos dois heróis, retornam à Clarksville, Mississipi, com dinheiro e um caminhão cheio de bebidas que eles roubaram da máfia, em Chicago (estamos em 1932). Encontram seu primo, Sammy, um colhedor de algodão e guitarrista. Eles querem montar uma casa de blues, onde os negros possam dançar, beber e se divertir. A ação se passa em um único dia e noite, basicamente em uma serraria abandonada de Clarksville, onde se reunirão os fregueses e onde eles serão cercados por uma horda de vampiros sedentos de sangue e onde nossos heróis travarão a batalha pela sobrevivência. Lembra algum outro filme? 

Esta narrativa, simples como todo filme de vampiro, é o aparente leit-motiv do filme. E funciona, porque Coogler, um cineasta hábil, sabe como agradar à plateia, como se viu nos dois Pantera Negra e Creed, também de sua autoria. Nenhum adolescente deixará de se divertir com o filme. Aliás, eu assisti o filme chamado pelo meu filho adolescente, e permanecemos magnetizados durante todo o filme.

Mas para alegria dos intelectuais que me leem, que gostam de filmes com conteúdo sério, filmes com mensagem política ou ideológica, Coogler retrata o vampirismo em uma cidadezinha segregada e racista, com a Main Street com lojas para brancos de um lado e lojas para negros de outro. A Ku Klux Klan é onipresente e atuante. Ai do negro que se atreva a sair de seu lugar. Seu destino será se transformar em um daqueles strange fruits das árvores do Sul, como cantou Billie Holliday. The Sinners lembra a denúncia política de Mississípi em Chamas.

A maestria do cineasta se vê nos primeiros quarenta minutos do filme, em que apresenta seus personagens e a cidade de Clarksville. Só aos quarenta e um minutos surge em cena o primeiro vampiro. Neste primeiro ato, conheceremos os personagens, seu background, a cidadezinha, o mundo negro e seus sonhos, seus temores,sua religiosidade, e sua música. Mas não se preocupe. Você não se entediará neste período, tal a habilidade narrativa de Coogler. Nossos heróis serão confrontados por antigos amores, velhos amigos se reunirão – e instantaneamente se tornarão parte da lenda – e o blues terá uma palhinha, prévia da explosão musical que se dará na festa noturna. Tudo isso no cenário de uma Clarksville mítica que, na visão de Coogler, é um retrato do pesadelo americano (“Chicago é uma Clarksville com arranha-céus”).

Mas Coogler não é um cineasta bidimensional. Talvez o principal tema do filme seja a ode que ele faz ao blues como expressão própria da negritude americana. Deixo a questão aos especialistas em música, que conhecem o pedigree do blues. Para nós, espectadores, fica a emocionante rendição musical de Sammy e seus amigos na festa, quebrando as barreiras da vida e da morte, atraindo personagens do passado e do futuro, todos embriagados com o momento único em que a humanidade ultrapassa tempo e espaço em comunhão com Deus.Alguém comparou esta cena com a cena da festa em West Side Story e disse que na realidade o filme é um musical. Tem sentido.

Há mais, muito mais. Camadas e camadas de sentido se harmonizam nas mãos de Coogler. Não há tédio. Além de ser um filme de vampiro, é uma aventura intelectual e estética. O filme, que acabou de ser lançado nos streamings – infelizmente não está em cartaz nos cinemas –, admite inúmeras outras leituras. Estas deixo para os intelectuais e amantes de cult movies. Eu fico com a pipoca, a gasosa e a pizza. Imperdível. Não abandone o filme quando os créditos surgirem. A emoção só termina quando acaba.

Serviço: Os Pecadores (The Sinners). Produção, direção e roteiro de Ryan Coogler. Michael Jordan interpreta os gêmeos Fuligem e Fumaça. Miles Caton é o guitarrista Sammie. O cantor e guitarrista Buddy Guy interpreta Sammie nas cenas finais, quando começam os créditos. O elenco todo é espetacular. Ludwig Goransson assina a parte musical. Em todos os streamings para comprar ou alugar. Compre. É uma pechincha levando em conta o preço dos ingressos de cinema. Você vai querer assistir novamente.

Hasuo Fukuda
  • Hatsuo Fukuda, advogado e ex-procurador do Estado.

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