Bastaram poucas horas para sacramentarem uma das mais ousadas e controversas manobras parlamentares desde a redemocratização: a aprovação da Dosimetria.
Embora com reações e uso da força policial, em poucas horas, a Câmara dos Deputados mudou o mapa das condenações pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 e abriu caminho para a redução drástica da pena do ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado por tentativa de golpe de Estado.
Abriram-se as portas da cadeia. O que se viu na madrugada do dia 10 de dezembro de 2025 foi mais um espetáculo de articulação silenciosa e atropelo regimental.
A madrugada serviu como cortina para o que, na prática, é uma interferência direta do Legislativo no efeito das decisões do Judiciário. Não é exagero afirmar: a Câmara legislou com nome, sobrenome e destino certo.
A redução da pena de Jair Bolsonaro, que pode cair de mais de vinte anos para pouco mais de dois — não decorre de uma revisão técnica, nem de um avanço civilizatório no direito penal brasileiro. Decorrem de um cálculo político. Um cálculo que atende a um objetivo claro: reabilitar aliados, aliviar lideranças e reescrever a narrativa de um dos momentos mais graves da história republicana recente.
Criou-se brechas para progressão acelerada e abriu espaço para que condenados por atentar contra as instituições democráticas troquem o regime fechado por benefícios até então exclusivos de outros tipos de crime.
O efeito político é imediato: Bolsonaro, mesmo condenado, sai fortalecido e sua base se reorganiza.
Todo trabalho do Judiciário virou poeira
A decisão da Câmara, ao aprovar o PL da Dosimetria, não se limita a reduzir penas. Ela invalida anos de esforço institucional, diminui o peso das decisões do STF e manda ao país o recado de que, no Brasil, mesmo crimes contra a democracia podem ser reinterpretados conforme o vento político.
A manobra legislativa produz um efeito devastador: a Justiça faz; o Congresso desfaz. Esse ciclo é corrosivo. Ele alimenta a sensação de impunidade, enfraquece as instituições e desestimula a confiança pública.
O que a população vê é simples: investiu-se tempo, energia e dinheiro para quê? Para que um acordo político, aprovado de madrugada, transformasse o que era histórico em irrelevante?
Ao abrir caminho para aliviar penas de quem tentou subverter a ordem constitucional, o Legislativo envia uma mensagem inequívoca aos próximos aventureiros autoritários: vale a pena tentar — no fim, haverá sempre uma saída.
Muito esforço, custos, para nada…
O Supremo Tribunal Federal, pressionado pela gravidade dos atos, montou uma estrutura extraordinária: julgamento acelerado, sessões estendidas, aparato de segurança reforçado, contratação de tecnologia, deslocamentos e operações que demandaram recursos milionários. Cada etapa foi apresentada como essencial para preservar o Estado Democrático de Direito e estabelecer uma resposta exemplar.


