O histórico prédio da UFPR, situado na Rua Ébano Pereira, quase esquina com a Rua Cândido Lopes, que abrigou a Policlínica Garcez do Nascimento e foi sede do Diretório Acadêmico Nilo Cairo – DANC – está abandonado e sendo invadido por moradores de rua e viciados em craque. O prédio, com vidraças danificadas e lixo acumulado nos cantos, com telhados e calhas danificadas, conforme denunciam os moradores do vizinho Edifício Santo Antônio, tornou-se também um problema de segurança pública. Os vizinhos protocolaram Boletim de Ocorrência, noticiando que através do DANC tentam invadir o Santo Antônio. A situação chegou a tal ponto que há um aviso no elevador do prédio para que o serviço 190, da Polícia, seja acionado sempre que algum morador detectar alguma invasão do prédio vizinho. O Paraná Portal lá esteve e constatou que há uma corda saindo por uma das janelas, que deve ser utilizada pelos invasores.
Mas não é a única preocupação dos vizinhos. Moradores de rua ou viciados em craque, nestes dias de inverno, podem, acidentalmente, colocar fogo no prédio, como aconteceu com o Belvedere. Mas o Belvedere fica isolado no centro da Praça João Cândido, ao passo que o antigo DANC está colado aos prédios vizinhos. O incêndio pode gerar uma tragédia de grandes proporções, caso se propague ao casarão do século passado, vizinho. Este antigo casarão, com o interior forrado de madeira, abriga a tradicional Pastelaria Brasileira e o Restaurante Bom Dia, além de outras lojas.

O prédio do Diretório Acadêmico Nilo Cairo abrigou, em sua época áurea, um restaurante para estudantes, uma barbearia, uma gráfica, um salão para chás dançantes – que depois se transformou em um auditório -, e um salão de festas dos estudantes de Medicina da UFPR. A boatinha do DANC era famosa entre os estudantes da universidade, um local de muita badalação e onde muitos namoros aconteceram, à meia luz e ao som de música dançante.Jovens estudantes lá se uniram e se separaram.
Gerson Zafalon Martins, oitenta anos, médico pneumologista, ex-presidente do Conselho Regional de Medicina e que foi presidente do Diretório Acadêmico em 1968, conta que o DANC era um local bem frequentado pelos estudantes, visto que muitos eram de fora da cidade e o diretório acadêmico era um ponto de apoio importante para eles. Muitos batiam ponto todos os dias, a pretexto do jantar, mas ficavam na Pastelaria Brasileira, na época um bar, comendo petiscos (camarão abraçadinho, peixe frito, bolinho de carne) regados a cerveja e caipirinha, sob oolhar carinhoso de Dona Rosa e seu Mário, então proprietários. Zafalon foi o responsável pela aquisição, em 1968, das 130 poltronas de imbuia Móveis Cimo do auditório, pelas quais pagou a quantia de NCr$ 2.716, em cruzeiros novos, moeda da época, da qual guarda até hoje, com carinho, o recibo. Estas poltronas ainda devem estar lá, deteriorando-se com o prédio. Ele ainda exerce a profissão, dando palestras para médicos e estudantes e como perito médico na Justiça do Trabalho.

Mas o diretório acadêmico, além de guardar memórias de estudantes saudosos de casa, foi também um centro de resistência política nos anos do regime militar. O próprio Zafalon foi condenado ao tempo do regime militar a um ano e seis meses de prisão, “por sua liderança estudantil e por ter feito uma profícua gestão no DANC”, segundo o juiz auditor. Zafalon lembra que o pai, Jovino, que assistiu ao julgamento, ao despedir-se dele, disse: “Se você foi condenado por isso, teria vergonha se fosse absolvido”. Foi também utilizado como refúgio para estudantes perseguidos pela Polícia no centro da cidade. Lá encastelados, os estudantes faziam discursos pelas janelas aos transeuntes da Rua Cândido Lopes, assustados com a confusão.
Zafalon conta que do DANC se dirigiu ao Centro Politécnico, onde foi feita a reunião que decidiu pela invasão da Reitoria – aliás, proposta dele – e aconteceu o episódio da derrubada do busto do Reitor Flávio Suplicy de Lacerda, acontecimento que ainda hoje é polêmico. Debates políticos à parte, o DANC faz parte da memória da cidade e da Universidade, e não merece o abandono a que foi relegado pela Universidade Federal do Paraná.
Espera-se que a Universidade não deixe acontecer com o prédio de sua antiga Policlínica Garcez do Nascimento e sede do centenário Diretório Acadêmico Nilo Cairo o que aconteceu com o Belvedere e o Museu Nacional (este pegou fogo em 2018). Seria uma tragédia para a memória da Medicina curitibana, da UFPR e da cidade. A Prefeitura de Curitiba e o IPPUC, que têm trabalhado ativamente na revitalização do centro da cidade, podem colaborar com a Universidade na recuperação do DANC e em dar a ele uma nova destinação, para alívio dos vizinhos do Edifício Santo Antônio e da Pastelaria Brasileira.

- Hatsuo Fukuda, advogado e ex-procurador do Estado.