Nesta terça-feira, 24 de junho, o Tribunal Constitucional da Itália realizou uma audiência que pode mudar o entendimento sobre quem tem direito à cidadania italiana. Pela primeira vez, os juízes da mais alta corte do país avaliaram se o princípio do ius sanguinis — ou “direito de sangue” — está de acordo com a Constituição Italiana, especialmente quando aplicado sem limites de gerações e sem exigência de vínculo com o território italiano.
O julgamento é histórico e muito esperado, principalmente por milhões de descendentes de italianos ao redor do mundo, como no Brasil, onde se estima que mais de 30 milhões de pessoas tenham origem italiana e busquem esse reconhecimento. A audiência já ocorreu, mas a sentença ainda não foi publicada — e é ansiosamente aguardada pelos milhares de descendentes italianos que acompanham o processo com grande expectativa.
O que está em jogo
A discussão chegou à Corte Constitucional por meio de tribunais regionais — entre eles os de Bolonha, Roma, Milão, Veneza e Florença — que questionaram a legitimidade do ius sanguinis irrestrito. Conforme a legislação atual, prevista na Lei nº 91/1992, o direito à cidadania pode ser transmitido por descendência direta, mesmo após várias gerações.
Contudo, o aumento significativo nos pedidos de reconhecimento, especialmente vindos da América Latina, reacendeu o debate na Itália sobre a necessidade de um vínculo mais concreto com o país.
“Há juízes que entendem que conceder cidadania a pessoas que nunca viveram na Itália, não falam o idioma e não têm laços culturais diretos pode entrar em conflito com o conceito de povo italiano e com a soberania nacional definida na Constituição”, explica a ex-parlamentar italiana e advogada internacional Renata Bueno, que acompanha o processo de perto.
Nova lei agrava cenário
A audiência ocorre em um momento especialmente sensível: em março de 2025, entrou em vigor a nova Lei nº 74/2025, também conhecida como “Decreto Tajani”, que restringe o direito à cidadania italiana apenas a filhos e netos de italianos nascidos na Itália. Em certos casos, a nova norma também exige que o ancestral tenha tido exclusivamente a cidadania italiana ou que o requerente tenha residido na Itália.
Para Renata Bueno, as mudanças causam insegurança jurídica e preocupam as comunidades italianas no exterior. “Essa legislação está sendo questionada por violar princípios constitucionais, principalmente porque afeta processos já em andamento e ignora o direito adquirido dos descendentes que já iniciaram seus trâmites conforme a lei anterior”, afirma.
Embora a audiência de hoje não tenha sido especificamente sobre a nova legislação, a decisão do Tribunal poderá abrir precedente. Caso a Corte declare o ius sanguinis irrestrito como incompatível com a Constituição, a nova lei ganha força. Se, por outro lado, o tribunal confirmar a validade do modelo anterior, as novas restrições poderão ser contestadas judicialmente.
Decisão pode reverberar por décadas
“O que está sendo decidido em Roma vai muito além de um parecer jurídico. É sobre como a Itália reconhece sua história, sua diáspora e os vínculos com os milhões de descendentes espalhados pelos cinco continentes”, avalia Renata Bueno. Ela defende que o ius sanguinis é mais do que uma norma legal: “É uma afirmação da identidade e da contribuição histórica dos italianos no exterior para o desenvolvimento da própria Itália”.
A sentença ainda não tem data definida para ser publicada, mas deve ter impacto duradouro nas políticas de reconhecimento de cidadania. Enquanto isso, a comunidade ítalo-descendente permanece em alerta. “Mais do que um direito individual, esse julgamento simboliza o elo entre passado e futuro da nação italiana”, conclui Renata.
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