Por Paulino Motter
Na última semana, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), lançou um balão de ensaio na forma de slogan de uma possível candidatura à Presidência da República em 2026: “Quarenta anos em quatro”. Demonstrou, assim, que foi um aluno aplicado de matemática no IME, onde cursou Engenharia. Pegou a fórmula de JK e aplicou uma regra simples. Seus financiadores da Faria Lima aplaudiram. Mas a aritmética para chegar ao poder parece um pouco mais complicada.
Primeiro, Tarcísio precisa ser ungido candidato do bolsonarismo e receber a bênção do próprio Bolsonaro, que muito provavelmente será condenado pelo STF por liderar uma trama golpista após a derrota nas urnas em 2022. O governador de São Paulo parece não apenas disposto a se apresentar como preposto do ex-presidente, mas também a se comprometer com a anistia dos conspiradores.
Mesmo que consiga unificar a extrema-direita e se impor como candidato do bolsonarismo, Tarcísio terá diante de si um desafio monumental: derrotar Lula. As pesquisas mais recentes encomendadas pela Faria Lima parecem ter um objetivo claro: mostrar que ele é o candidato com maiores chances de vencer o atual presidente em um eventual segundo turno em 2026.
A única certeza é que Lula será candidato à reeleição. Apenas um evento de força maior poderia impedi-lo de se apresentar pela sétima vez como candidato à Presidência da República. Lula concorreu em 1989, 1994, 1998, 2002, 2006 e 2022: perdeu as três primeiras e venceu as três últimas. Alias, o PT venceu cinco das últimas seis eleições presidenciais. Se confirmada a candidatura de Lula à reeleição em 2026, será o tira-teima.
O pleito do próximo ano terá um caráter simbólico que não pode ser negligenciado: será a décima disputa presidencial desde a redemocratização, coroando o período mais longo de estabilidade política da República. A conspiração golpista de 2022 — que poderá levar à condenação de Bolsonaro — foi, até aqui, a maior ameaça ao Estado democrático de direito nas últimas quatro décadas.
Lula esteve no centro das nove disputas anteriores, seja como candidato (seis vezes) ou como principal fiador político (nas duas vitórias de Dilma Rousseff, em 2010 e 2014, e na derrota de Fernando Haddad, em 2018). Sob sua liderança, o PT nunca ficou abaixo do segundo lugar. Em 2026, Lula protagonizará a décima disputa, vencendo ou perdendo.
Se Tarcísio se viabilizar como candidato do bolsonarismo, enfrentará não apenas um adversário forte, mas uma lenda viva. Se a palavra “mito” não tivesse sido apropriada e depreciada pelos seguidores do mitômano que sentará no banco dos réus do STF nesta semana, seria o termo adequado. Não há paralelo em nenhuma democracia contemporânea de um líder carismático que permaneceu relevante por mais de quatro décadas. Lula foi uma das figuras centrais da campanha das Diretas Já, em 1984, ao lado de Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Leonel Brizola, Mário Covas e outros. Elegeu-se deputado federal constituinte por São Paulo e teve atuação destacada na Assembleia Nacional Constituinte. Desde então, nunca saiu do palco principal da política brasileira.
Talvez tenha sido essa memória que inspirou Tarcísio a tirar da cartola o slogan “40 anos em 4”. Ele poderá brandir nos palanques o argumento de que mais quatro anos de Lula seriam excessivos. Mas terá de apresentar mais do que a mímica de JK para convencer a maioria do eleitorado de que anistiar golpistas serviria aos interesses do Brasil.
Lula, a rigor, não precisa provar mais nada. Mas terá de mostrar que, já octogenário, ainda é a melhor opção para liderar o país num momento de grande instabilidade internacional. A investida de Trump contra o Brasil — punindo-o com tarifas escorchantes em retaliação ao processo judicial do qual Bolsonaro é réu — teve efeito bumerangue: desgastou o ex-presidente e seus apoiadores, ao mesmo tempo em que revigorou Lula. Ele já provou que cresce na adversidade.
Quanto a Tarcísio, em que pese o apoio maciço do PIB de São Paulo, seu caminho até o Planalto é íngreme. Quais as grandes realizações de sua gestão à frente do Estado mais rico da federação? Vangloria-se de ter colocado em marcha projetos de infraestrutura que levarão anos para serem concluídos. Quais exatamente? O túnel Santos–Guarujá? Quando São Paulo enfrentar uma crise hídrica séria — cenário que não pode ser descartado no último quadrimestre deste ano — comprometendo o abastecimento da capital e da região metropolitana, talvez os paulistanos se perguntem se o governo priorizou corretamente. Afinal, o negacionismo climático segue sendo um traço definidor do bolsonarismo, e Tarcísio jamais se afastou dele.
Outra área em que sua gestão será escrutinada é a Segurança Pública, sob o comando do secretário Guilherme Derrite. Os números revelam um quadro alarmante: entre 2023 e 2024, São Paulo registrou um aumento de 60,9% na letalidade policial, passando de 504 para 813 mortes decorrentes de ação policial, o maior salto entre todos os estados. Em vez de representar maior eficiência no combate ao crime, esses números indicam a intensificação da lógica da guerra, que atinge de forma desproporcional a população negra e periférica.
O caso mais emblemático dessa escalada foi a Operação Escudo, deflagrada no Guarujá em julho de 2023, após a morte de um policial militar. Em pouco mais de um mês, 28 pessoas foram mortas — tornando-se uma das operações mais letais desde o massacre do Carandiru. Um relatório da ONG Human Rights Watch apontou graves falhas nas investigações: depoimentos coletivos de policiais, ausência de perícias em vários locais, laudos necroscópicos incompletos e falhas no uso de câmeras corporais. O próprio governador defendeu inicialmente a ação como “extremamente profissional” e só recuou parcialmente quando o número de mortos quase dobrou em dois dias. Ainda assim, seu secretário Derrite chegou a declarar que os mortos haviam morrido por “escolha deles”.
A espetacularização da violência policial, longe de trazer segurança, apenas alimenta o ciclo de brutalidade e retaliação, como já documentado em outros estados. A insistência do governo Tarcísio em questionar o uso de câmeras corporais e em apoiar ações de confronto sem controle rigoroso demonstra não apenas falta de compromisso com a vida, mas também uma opção política deliberada: reafirmar a identidade bolsonarista de seu governo por meio do uso ostensivo da força, não raramente letal.
O PT também tem telhado de vidro nesta área: a PM da Bahia, estado governado há quase duas décadas pelo partido, é uma das mais violentas do país.
Na contramão desse cenário de disputas narrativas e práticas violentas, a megaoperação realizada na última semana contra o PCC reuniu forças federais e estaduais em uma ação coordenada de grande escala. A investida mirou o núcleo financeiro e logístico da facção criminosa, resultando em prisões e apreensão de bens. Particularmente interessante foi a relevação dos tentáculos do PCC na Faria Lima. Tanto Lula quanto Tarcísio reivindicaram protagonismo no planejamento e execução da megaoperação, e embora não faltem interesses eleitorais por trás das declarações, o episódio revelou um raro momento de cooperação institucional entre governos que costumam se apresentar em campos opostos.
Para além da disputa política, a operação evidencia o tamanho do desafio colocado pelo crime organizado e reforça a necessidade de mudanças estruturais no sistema de segurança pública. A aprovação ainda em 2025 da PEC da Segurança Pública, uma das prioridades do governo federal, será crucial para fortalecer a atuação do Estado nesse campo. A proposta prevê, entre outros pontos, maior integração entre as forças policiais, investimento em inteligência e mecanismos de responsabilização, buscando romper o ciclo de improviso e violência que tem marcado a política de segurança no país.
Não à toa, a segurança pública tende a se impor como tema central na eleição de 2026, obrigando o governador a prestar contas de sua gestão.
Tarcísio vai precisar de muito mais do que aritmética de escola primária para se apresentar como alternativa viável a Lula. O presidente chega à sua décima disputa presidencial com a vantagem de quem despacha diariamente do gabinete do Planalto.

- Paulino Motter é jornalista e gestor público