Se uma das maiores riquezas do Brasil está no campo, que alimenta o mundo, é a logística dos transportes de cargas que movimenta essa riqueza, faz a economia girar, aumentando empregos, divisas e atração de investimentos.
O setor não dorme. Dia e noite os veículos transportadores de carga circulam pelos quase 1.721 milhão de quilômetros que fazem parte da malha rodoviária do país. Soma-se, ainda, a outros milhões de rodovias nos centros urbanos. São mais de 260 mil empresas vinculadas à Confederação Nacional dos Transportes (CNT), aproximadamente 850 mil transportadores autônomos, 520 cooperativas de transporte de cargas e a geração de mais de U$ 42,85 bilhões, com participação de 6.1% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
O setor gera mais de 1,2 milhão de empregos diretos e indiretos, sendo que São Paulo é o Estado com maior empregabilidade, seguido de Minas Gerais e Paraná: Motoristas, operadores logísticos, mecânicos, despachantes, além de movimentar uma cadeia de insumos entre combustíveis, pneus, peças e manutenção.
“O setor de transportes é um dos pilares da economia brasileira e elemento primordial para o desenvolvimento e a expansão da capacidade produtiva”, pontua, em editorial da Revista CNT, o presidente Vander Costa.
Embora seja o setor de transportes o elo que conecta a produção ao consumo, garantindo o abastecimento interno e a competitividade externa, há sérios problemas que impactam a cadeia produtiva quando se trata de infraestrutura, uma luta de anos entre o setor privado e o público.
Entre 65% a 70% da carga no Brasil é transportada por rodovias, tornando o setor vital para quase todos os segmentos econômicos, o que faz da infraestrutura rodoviária um gargalo estratégico: qualquer problema nas estradas impacta diretamente a economia. O setor precisa de rodovias boas para diminuir os custos logísticos, o que reduz o preço final ao consumidor e aumenta a competitividade dos produtos brasileiros no mercado externo, além de atrair investimentos.
A interrupção do fio condutor desse setor está no meio do seu caminho: as rodovias. Se não tiver boas estradas, o impacto negativo é iminente.
Além da preocupação com as rodovias, a CNT lida, diariamente, com os impactos ambientais e a necessidade de modernização, pois o setor ainda tem desafios em sustentabilidade: emissões de CO₂; Infraestrutura deficiente, tecnologias de rastreamento e gestão logística; caminhões com menor impacto ambiental. Portanto, melhorar sua eficiência é essencial para o Brasil crescer de forma sustentável e competitiva.
O agronegócio brasileiro, que representa cerca de 27% do PIB do País, é uma das principais correntes do setor de transportes. No Brasil, o agro é considerado um dos principais motores da economia, gerando mais da metade das exportações do país. Ao lado do setor de transportes, o segmento é fundamental para o aumento da balança comercial numa economia que, hoje, é a décima maior do mundo e que atingiu PIB de 11 trilhões de reais, com crescimento de 3,5% em 2024.
A pedra no sapato do setor de transportes
São elas, as rodovias mal conservadas, cheias de buracos, mal sinalizadas e carentes de melhorias, principalmente duplicações, que tiram o sono dos transportadores, dos produtores e dos condutores de veículos. O quadro não é bonito, pelo contrário, é desolador.
Da análise do Panorama CNT de Acidentes Rodoviários “Principais dados 2024” entende-se que, apesar da redução de, aproximadamente, 40% no total de acidentes no ano de 2024 (73.114 acidentes) em relação ao ano de 2015 (122.158 acidentes) o percentual de total de mortes por ano permaneceu quase o mesmo no decorrer da década – 2024 (6.153 mortes) e 2015 (6.866 mortes).
Rodovias federais, em sua maioria, concentraram o maior número de acidentes no último ano, com destaque para as BR-101, com 17,5% do total de ocorrências, e a BR-116, com 15,7%. As mesmas rodovias também liderança as estatísticas com o maior número de mortes no ano.
Minas Gerais acumulou em 2024 o maior número de acidentes (9.288) e de mortes (794). Santa Catarina (8.376 acidentes e 414 mortes) e Paraná (7.568 acidentes e 607 mortes), além ainda de Rio de Janeiro (6.387 acidentes e 333 mortes), Rio Grande do Sul (5.206 acidentes e 346 mortes) e São Paulo (4.881 acidentes e 226 mortes), também registaram elevados índices de violência nas estradas no último ano.
Bomba-relógio nas estradas
A rodovia BR-381, em Minas Gerais, considerada “a rodovia da morte”, as BR-116, no trecho entre São Paulo e o Paraná, a BR-101, no Nordeste, a BR-376, no Sul, entre outros trechos rodoviários, trazem em seus trajetos uma grande quantidade de cruzes fincadas nos acostamentos lembrando que, naquele local, uma pessoa ou família perdeu a vida.
Uma das rodovias igualmente perigosa – se não for a mais – é a BR-277 entre Curitiba e Paranaguá, um trecho de pouco mais de 90 quilômetros que atravessa a Serra do Mar no território paranaense. Continua sendo um sinônimo de insegurança, abandono e risco iminente, embora, recentemente tenha passado por processo de concessão.
No trecho que corta a Serra do Mar paranaense, precisamente entre os quilômetros 30 e 42, na altura e proximidades do “Viaduto do Padre”, uma sequência de curvas, é onde registra-se a maioria dos acidentes e onde a rodovia não tem a menor condição de previsão ou enfrentamento da natureza. O pior: sem atenção do poder público, seja federal ou estadual.
São constantes quedas de barreiras, blocos de rochas gigantescos, deslizamentos de terras e interrupções constantes. Esta via é crucial para o escoamento da produção agrícola em direção ao Porto de Paranaguá, ao turismo, para a mobilidade dos paranaenses e que já ceifou vidas de muita gente em tragédias que não param de acontecer.

No final do ano de 2022, um deslizamento no local matou motoristas e paralisou o fluxo na rodovia por semanas. Já em 2023, uma pedra de toneladas caiu na pista e ficou ali por meses, como um monumento à lentidão do Estado brasileiro. O episódio escancarou a incapacidade de resposta do governo federal e estadual. O que deveria ser uma emergência tratada em horas virou uma exposição permanente da vergonha pública. Meses se passaram e a pedra se enraizou no asfalto e, com ela, um Estado parado e os setores produtivos contabilizando prejuízos.

Mesmo com a concessão, a BR-277 continua com encostas expostas, sem contenções, drenagens ineficientes e sem sensores de alerta. Os motoristas que trafegam pelo trecho contam com a sorte e a previsão do tempo para saber se será seguro cruzar a Serra do Mar.
Além de vidas, como consequências desses bloqueios, grande parte por acidentes com caminhões de grande porte, perdem-se tempo, dinheiro e paciência. Caminhões parados, empresas pagando mais caro pela logística, no principal acesso terrestre ao Porto de Paranaguá.
Tragédias em alta velocidade
O registro de mais de 3.600 acidentes, com 302 óbitos, de janeiro a junho deste ano, nas rodovias federais no Paraná, acendeu sinal amarelo na Federação das Empresas de Transportes Rodoviários – Fetranspar. “É um número muito alto e nos preocupa. É um absurdo”, disse ao Paraná Portal o presidente da instituição empresarial, coronel Sergio Malucelli.
“O resultado, se contabilizarmos as rodovias estaduais, é bem pior”, lamenta o executivo.
Para Malucelli, são vários os motivos que levam a estes acidentes. A falta de infraestrutura nestas rodovias é um dos principais, aliado à ausência de fiscalização.
“Eu tenho certeza de que uma estrada duplicada, uma estrada bem sinalizada, uma estrada em que o cidadão, o contribuinte transite com segurança, também contribui para a redução do acidente. Paralelamente a isso, precisamos intensificar a prevenção. A prevenção se faz através do policiamento efetivo, não apenas com o posicionamento de radares em pontos fixos”.
O dirigente classifica os radares em pontos fixos como não eficientes e aponta que o aumento do contingente operacional para fiscalizar as rodovias, principalmente nos pontos já considerados críticos, pode reduzir o elevado índice de acidentes.

“Eu acho que o radar em pontos fixos não reduz nada. O que reduz realmente é você colocar uma pessoa, um policial físico, nos locais onde há uma maior incidência de acidentes. De Curitiba a Paranaguá, nós sabemos que o maior número de acidentes é registrado dos quilômetros 40 ao 32, na descida. Nós temos que ter pelo menos uma equipe de fiscais nestes locais, além de monitoramentos digitalizados na rodovia”, avalia.
Dados da Polícia Rodoviária Federal apontam que os acidentes com mortes envolvendo caminhões aumentaram mais de 15% nas rodovias federais que cortam o Paraná, também de janeiro a junho. Foram 164 mortes registradas no 1º semestre, contra 142 nos primeiros seis meses do ano passado.
Os sinistros com veículos de carga representaram mais da metade (54%) das 302 mortes nas rodovias federais paranaenses no mesmo período, ainda segundo a PRF.

“Eu não tiro a responsabilidade das empresas de transportes, porque elas também são responsáveis pela qualificação e pela manutenção dos seus veículos, do seu implemento rodoviário. Não estou dizendo que o culpado é o autônomo, o culpado é o Estado, que não fiscaliza. O transportador também é corresponsável por esses índices de acidentes”, considera Malucelli.
“Nós temos uma carência de mão de obra qualificada para o transporte. Hoje, os caminhões estão cada vez mais sofisticados. Um caminhão tem a mesma condição que o seu automóvel na parte digital, eletrônica. É igual, é idêntico. Portanto, para você ser um motorista de categoria BIE, você tem que saber um pouco de computação, um pouco de informática, saber ligar com essas tecnologias… Nós temos cursos gratuitos para preparar o condutor”.
Governo acorda para infraestrutura com concessões
Enfim, o governo brasileiro acordou em relação à necessidade de se investir na infraestrutura rodoviária do país. Resolveu acelerar os programas de parcerias público-privadas (PPPs) para modernizar estradas, reduzir gargalos logísticos e melhorar a segurança viária. Tem lançado programas de concessões rodoviárias, através de leilões, em vários estados.
Para 2025, o Ministério dos Transportes anunciou 15 leilões, abrangendo 8.449 km de rodovias e estimando R$ 161 bilhões em investimentos em melhoria e expansão da infraestrutura. Com nove leilões realizados em 2023-2024, representando mais R$ 108 bilhões, o país consolida o maior fluxo de concessões rodoviárias do mundo, com expectativa de ultrapassar 35 leilões até o próximo ano.
As concessões rodoviárias visam melhorar a qualidade das rodovias federais por meio da participação da iniciativa privada, com foco em segurança viária, fluidez do tráfego e modernização da infraestrutura. Redução de acidentes e mortes nas estradas. Os resultados esperados são:
- Melhoria na logística e escoamento da produção;
- Geração de empregos diretos e indiretos;
- Redução de custos operacionais para usuários e transportadoras.
Roubo de cargas, uma difícil travessia
Na logística de transportes de cargas, não são apenas as deficiências na infraestrutura rodoviária que prejudicam o setor. Técnicos da Confederação Nacional dos Transportes se debruçam diariamente em estatísticas de roubos de cargas, cujos prejuízos assustam e impactam na economia nacional. Em 2022 as perdas somaram R$ 1,2 bilhão, segundo a entidade.
A Associação Nacional de Transporte de Cargas e Logística divulgou, em 2023, os resultados de sua pesquisa abordando o panorama do roubo de cargas no Brasil em 2022. De acordo com os dados coletados pela entidade, houve uma redução significativa de 9,1% em relação ao ano anterior, totalizando 13.089 registros. A região Sudeste continuou concentrando o maior número de casos, representando 85,18% das ocorrências, seguida pelas regiões Sul (6,12%), Nordeste (4,66%), Centro-Oeste (2,81%) e Norte (1,23%).
Ainda de acordo com dados do órgão, apesar da queda no número de ocorrências nos últimos anos, os prejuízos financeiros continuam alarmantes. Em 2024, foram registrados 10.478 roubos em todo o país, uma redução de 11% em relação a 2023 e de 59,6% em comparação a 2017. No entanto, o valor das mercadorias subtraídas aumentou 21% em um ano, chegando a R$ 1,2 bilhão em perdas, evidenciando que os criminosos estão cada vez mais estratégicos e focando em cargas de alto valor, como medicamentos, eletrônicos e insumos industriais.
A NTC&Logística relata que alimentos, combustíveis, produtos farmacêuticos, autopeças, materiais têxteis e de confecção, cigarros, eletroeletrônicos, bebidas e defensivos agrícolas são as mercadorias mais visadas por quadrilhas e grupos criminosos.
Faça o sinal da cruz e boa viagem
Hoje, seja na rodovia Curitiba-Paranaguá, na Belo Horizonte – Valadares, na 101 da Bahia, na 376 que vai a Santa Cataria ou em qualquer outra rodovia, federal ou estadual, viajar de carro é um ato de fé. Não fé na engenharia, na fiscalização, na manutenção ou no planejamento. É fé no invisível, no incenso, no escapulário pendurado no retrovisor. É fé no “vai com Deus”, no “que Ele te proteja”, no sinal da cruz feito com pressa antes de ligar o carro. No fundo, todo motorista brasileiro sabe: ao entrar numa rodovia nacional, está girando o tambor de uma roleta russa.
O caminhoneiro que perde o controle na serra? Fatalidade. A família esmagada entre duas carretas? Triste coincidência. O ônibus escolar que despenca num barranco? Lamentável, mas “essas coisas acontecem”. Não, não acontecem. Elas são permitidas, alimentadas e repetidas por um Estado que, há décadas, escolheu terceirizar a responsabilidade e deixar o destino dos cidadãos ao acaso — ou melhor, à fé.
Graças a Deus, ainda existe milagre brasileiro e ele acontece diariamente nas estradas. É o milagre de voltar para casa inteiro, com o carro ainda com as quatro rodas e o coração sem ter parado no km 57 da serra. O milagre de sobreviver ao caos vestido de asfalto.
Vamos continuar apegados a São Cristóvão, à água benta no painel. Confiar nas autoridades? Só com milagre mesmo.
Cansaço e drogas ao volante
Parado em uma fila de aproximadamente 10 km, na BR-277, devido a um acidente com um caminhou que tombou na curva no Viaduto dos Padres, na Serra do Mar paranaense, conversei com um jovem motorista de uma carreta com contêineres carregados de soja com destino ao Porto de Paranaguá e ao exterior, sobre como é a vida de um caminhoneiro nas estradas. Visivelmente cansado, o jovem, com pouco mais de 20 anos, topou conversar desde que seu nome fosse preservado.
Perguntei se estava cansado. A resposta foi positiva, pois estava vindo do Sudoeste paranaense, cerca de 800 km até o Porto de Paranaguá e com poucas horas de descanso (ainda não existia a lei do descanso). “Tomei rebite e cheirei cocaína para aguentar o tranco”, revelou. Você não tem medo de se acidentar, de morrer e matar pessoas?, perguntei. “Só tenho medo quando estou sóbrio e, é claro, que não quero me acidentar e muito menos matar pessoas, mas tenho horário para entregar minha carga. O que fazer?”.
Para aumentar a produtividade, caminhoneiros usam substâncias para suportar longas jornadas sem descanso, comprometendo reflexos e julgamento. Empresas investem em tecnologia para monitorar a fadiga dos motoristas; no entanto, drogas ainda são facilmente adquiridas em postos de combustível.
São, portanto, grandes os números de acidentes onde os motoristas estão sob efeitos de drogas. É por este e outros motivos, que órgãos representantes dos transportadores cobram mais fiscalização nas estradas.
Lei dos Caminhoneiros
Aprovada pela Câmara dos Deputados, a nova versão da chamada “Lei dos Caminhoneiros” (PL 4.246/2012) aguarda sanção presidencial para entrar em vigor. O texto altera regras sobre jornada de trabalho, períodos de descanso e penalidades para motoristas profissionais.

A jornada máxima será de 12 horas diárias, sendo duas negociáveis entre patrões e empregados. O tempo de direção contínua passa de quatro para até cinco horas e meia, com intervalo obrigatório de 30 minutos. A pausa mínima de 11 horas entre jornadas poderá ser fracionada, desde que oito horas sejam consecutivas.
Nas viagens longas, com duração superior a sete dias, os motoristas terão direito a 35 horas de repouso, que poderão ser acumuladas em até três períodos. A penalidade por descumprimento do descanso passa de grave para média, mas reincidências em até um ano seguem como infração grave, com retenção do veículo.
O texto também obriga o poder público a divulgar e ampliar a rede de pontos de descanso nos próximos cinco anos. Outra mudança é a exigência de exame toxicológico periódico para condutores das categorias C, D e E, inclusive para renovação da CNH.
Para o setor de transportes, as mudanças trazem avanços.
“Entendemos que a flexibilização mantém a essência da lei, que é o controle da jornada. Além disso, das 12 horas, duas horas dependem de negociação entre o setor patronal e o laboral, o que fortalece os trabalhadores”, aponta José Hélio Fernandes, presidente da NTC&Logística.
*com informações da Fetranspar, Sistema FAEP, DIEESE/PR e CNT.
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