
Bar Stuart não morreu, apenas aguarda o renascimento
O mais antigo bar de Curitiba, o Stuart, na Praça Osório, fechou as portas. Mas ainda há esperança. Enquanto isso, permanece na memória da cidade.
José Alexandre Saraiva, advogado, que mantinha uma coluna jurídica na Gazeta do Povo, estava preocupado. O desembargador Edgar Lippmann, do Tribunal Regional Federal de Porto Alegre, estava sob ataque do então governador, Roberto Requião. Requião promovia, semanalmente, uma reunião do secretariado que era transmitida pela Rádio e Tevê Educativa do Estado. Alegava-se o uso político e pessoal da máquina pública.Seus adversários políticos levaram a questão ao Tribunal, e Lippmann concedera uma liminar suspendendo a transmissão. O governador ficara possesso e sua ira recaíra sobre Lippmann.
Saraiva não era um jurista comum. Ele era famoso na cidade por suas múltiplas habilidades: poeta, músico, escritor, conversador brilhante e, principalmente, pelo dom da amizade, que trouxera da distante cidade de Panelas, interior de Pernambuco, onde nascera. Como todo jurista profissional, o dr. Saraiva não estava preocupado com a questão política. Ele sabia que todas as matérias levadas ao Judiciário eram por natureza controvertidas. Aos profissionais interessa que as decisões sejam formalmente corretas. E naturalmente, Lippmann, com uma carreira que começara como advogado em Guarapuava, estava solidamente amparado em sua decisão.
Alguns amigos comuns foram contactados e decidiram realizar uma festa de solidariedade ao desembargador. O local escolhido: Bar Stuart, na esquina da Praça Osório com a Alameda Cabral. O bar lotou, ao final da tarde, com a presença de desembargadores e juízes federais, Procuradores da República, advogados e amigos. Laís Mann, cantora, performer, e ex-apresentadora de tevê, foi chamada e compareceu, mas não cantou, com problemas de voz. Mas animou a festa, com sua exuberante jovialidade. Os bêbados de sempre lá estavam, animados. Um advogado comentou que se fosse anunciado em público, e devidamente politizado, seria um evento para lotar a praça. Quando chegou, Lippmann, que desconhecia a homenagem, surpreendeu-se com a quantidade de amigos reunidos, mas manteve a circunspecção e a habitual bonomia. Não se discutiu política, muito menos decisões judiciais. A festa era uma celebração da amizade e companheirismo, que transcende a política e o direito. Algum tempo depois, Lippmann se retirou do bar. Um outro evento, muito mais importante, o aguardava: o show de Julio Iglesias no Clube Curitibano. Esta paixão antiga não poderia esperar.
O Bar Stuart fornecera o palco, as comidas e bebidas, como vinha fazendo desde 1904.
Ivo Rodrigues, o band leader da Blindagem, a mais famosa das bandas roqueiras do Paraná, aceitou o convite do Bar Stuart para lá se apresentar solo durante alguns dias. Um roqueiro irreverente e subversivo no mais antigo e tradicional bar da cidade, reduto de velhos bêbados conservadores? O que poucos sabiam é que Ivo começara a sua carreira, na adolescência, escoltado pelo pai, cantando boleros e canções românticas italianas em rádios e danceterias, antes da cena rock. Eu já o tinha visto, em final de noite, com amigos roqueiros, cantando animadamente Estrada da Vida, de Milionário e Zé Rico. A banda Blindagem chegou a gravar Mocinhas da Cidade, outro clássico da música caipira curitibana, de Belarmino e Gabriela, depois de sua morte. Nenhuma novidade aqui. Ele começou a se apresentar, todos os dias, no final da tarde do Bar Stuart, cantando um vasto repertório, começando por Besame Mucho e terminando em My Way, para alegria dos antigos frequentadores do bar. Armado com um violão, a voz e a irreverência que o tornaram famoso entre adolescentes rebeldes. Seu carisma e repertório transcendiam épocas, modismos e correntes musicais.
Seu amigo Gigante, preocupado, dizia a ele para parar e cuidar da saúde debilitada. Ivo, entre uma baforada e outra do cigarro, sorria, na esquina da Praça Osório com a Alameda Cabral. É a minha última lembrança dele. Um pouco antes de morrer, ele se reencontrou com suas origens de crooner de bares e danceterias populares. No Stuart.
O Bar Stuart foi o palco destes e outros acontecimentos. Gerações e mais gerações de curitibanos lá estiveram, resolvendo os problemas existenciais e políticos do país e do mundo, empilhando bolachas de chope, que depois eram contadas pelos garçons na hora do pagamento. Este método só pode ser utilizado entre cavalheiros. Os jovens estudantes de direito lá se reuniam, procurando alívio dos fardos acadêmicos. Mais tarde, como juízes, promotores, delegados de polícia, procuradores e advogados, lá se dirigiam para buscar alívio do peso das decisões judiciais. As mesas e cadeiras antigas, as fotos que cobriam as paredes, o cardápio conhecido e testado durante anos confortavam a freguesia.
Os garçons eram velhos conhecidos. Joelson da Silva Penteado, o mais jovem, lá trabalhou de 1988 até o fechamento, em 2023. Era o jovenzinho que agitava a freguesia alertando: “Vai Correr! Vai Correr!”, estimulando os fregueses a comprarem a rifa do peru, do leitão, da galinha, que iria suavizar a ira das esposas quando, embriagados, chegassem em casa.

Dino Chiumento, outro garçom, que depois passou a administrar o bar, provavelmente deve ter sido o mais longevo garçom do Brasil. Trabalhou durante 72 anos no estabelecimento, iniciando em 1949, aos 14 anos.

O Bar Stuart, adquirido por um grupo empresarial conhecido na cidade, proprietário de vários bares e restaurantes, prepara-se para uma nova era. A dívida trabalhista acumulada foi acertada com os antigos funcionários. Torcemos para que o novo proprietário, em seu afã modernizador, mantenha não apenas o nome, mas a mais importante das tradições do velho Stuart: a capacidade de reunir pessoas, de todos os sexos, credos, idades e convicções políticas. Curitiba agradece.

- Hatsuo Fukuda, advogado e ex-procurador do Estado.