Caminhar ao entardecer pelas ruas do centro de Curitiba, especialmente nos arredores da Câmara de Vereadores e da Praça Carlos Gomes, em dias de frio intenso, é se deparar com uma cena que insiste em fazer parte da paisagem urbana, mas que jamais deveria ser encarada como normal.
Embaixo de marquises, sobre pedaços de papelão ou colchões improvisados, estão vidas inteiras tentando, de alguma forma, resistir à noite gelada. Uma realidade que revela não apenas o impacto do frio, mas também o peso da exclusão, da invisibilidade e do abandono social.
Diante desse cenário, é preciso reconhecer que a gestão municipal, liderada pelo prefeito Eduardo Pimentel, tem buscado enfrentar esse desafio. A campanha de doação de cobertores, assim como outras ações desenvolvidas pela Fundação de Ação Social (FAS), representa um esforço necessário para oferecer acolhimento e amenizar o sofrimento de quem está nas ruas. São medidas emergenciais, mas fundamentais em tempos de baixas temperaturas.
No entanto, é evidente que campanhas sazonais, por mais bem intencionadas que sejam, não são suficientes para resolver um problema de tamanha complexidade. Segundo estimativas, cerca de cinco mil pessoas vivem hoje em situação de rua em Curitiba. Um número que, além de expressivo, escancara as limitações de políticas públicas tradicionais diante de fenômenos sociais cada vez mais agravados pela desigualdade, pelo desemprego, pela crise habitacional e, muitas vezes, pela dependência química e transtornos mentais.
Há, inclusive, uma tensão recorrente nas discussões sobre como enfrentar essa questão. De um lado, setores que defendem soluções imediatas, como garantir moradia e acesso pleno a direitos básicos — algo absolutamente legítimo. De outro, a prefeitura adota uma linha que prioriza um mapeamento detalhado das histórias e condições dessas pessoas: de onde vêm, se possuem documentos, se estão em situação de dependência, para então definir as intervenções mais adequadas.
O fato é que essas abordagens não são excludentes — ou, pelo menos, não deveriam ser. É necessário agir no curto prazo, oferecendo acolhimento, proteção e condições mínimas de dignidade, especialmente durante o inverno. Mas é igualmente indispensável construir soluções estruturais e de longo prazo, que passem pela oferta de moradia, atendimento psicossocial, inserção no mercado de trabalho e fortalecimento das redes de apoio social.
É importante lembrar que o drama das pessoas em situação de rua não é um problema exclusivo de Curitiba. É uma realidade que atinge cidades de todo o país — e, na verdade, do mundo inteiro. Mas se cada município se omitir, esperando que a solução venha de instâncias superiores, pouco ou nada mudará.
Curitiba tem, historicamente, tradição em políticas públicas inovadoras. E é justamente por isso que a cidade não pode aceitar que a crise social das ruas se naturalize. Enquanto houver alguém dormindo ao relento, debaixo de uma marquise, nenhuma sociedade pode se considerar verdadeiramente desenvolvida.
O enfrentamento desse desafio exige, sim, ações do poder público — e reconhecer os esforços quando eles acontecem é justo. Mas exige também a participação da sociedade, do setor privado, das instituições e, sobretudo, um olhar coletivo mais atento, mais empático e mais comprometido com quem hoje vive à margem.
O frio, sozinho, não escolhe quem vai atingir. Mas a forma como escolhemos enfrentar o problema revela muito sobre quem somos enquanto sociedade.