
Samek 70: O otimista incorrigível das barrancas do Rio Paraná que mudou o perfil da Itaipu Binacional
Jorge Samek, que neste 16 de maio comemora seu 70º aniversário, é dessas figuras raras que parecem desafiar a passagem do tempo, sempre com a bateria recarregada.
*Paulino Motter
Atravessar sete décadas de vida com entusiasmo renovado não é tarefa fácil. Jorge Samek, que neste 16 de maio comemora seu 70º aniversário, é dessas figuras raras que parecem desafiar a passagem do tempo, sempre com a bateria recarregada. Pé vermelho de raiz, nascido em Foz do Iguaçu em uma família de imigrantes poloneses, Samek construiu uma biografia recheada de afetos, amizades e lealdades que resistiram às intempéries da política e às perdas enfrentadas ao longo da vida.
Filho do campo, que gosta do cheiro da terra regada pela chuva e de conversa animada na varanda, Samek foi fazer faculdade na capital do Estado, onde acabou se estabelecendo e construindo uma bem-sucedida carreira política, mas nunca renegou suas raízes nem perdeu contato com sua gente do Oeste do Paraná. Ao contrário, sempre demonstrou o orgulho de quem aprendeu desde cedo que a vida se faz em comunidade e que o bem-estar de um depende da dignidade de todos.
Técnico Agrícola formado em Palmeira (PR) e engenheiro agrônomo pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Samek iniciou sua vida profissional no Instituto de Terras, Cartografia e Florestas do Paraná (ITCF). Aos 27 anos, tornou-se chefe de gabinete do Secretário de Agricultura do Paraná, Claus Germer. Três anos depois, assumiu a Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento de Curitiba. Em 1988, elegeu-se vereador, renovando o mandato em 1992, 1996 e 2000. Em 2002, foi eleito deputado federal, mandato ao qual renunciaria ao assumir o comando da Itaipu Binacional, a convite do então Presidente Lula.
E foi como Diretor-Geral Brasileiro de Itaipu, cargo que desempenhou por mais de 14 anos, entre janeiro/2003 e abril/2017, que Samek imprimiu sua marca mais duradoura. De fato, fez uma gestão exemplar e deixou um notável legado, que nem mesmo a mudança de nome de algumas de suas principais realizações tem sido capaz de apagar. Como é o caso do Parque Tecnológico de Itaipu – PTI, rebatizado como Parquetec pela atual gestão.
Visionário, Samek mudou o perfil e a imagem da Itaipu Binacional. Sua liderança primou pela integração e respeito ao território e pelo compromisso com o desenvolvimento socioeconômico sustentável, o que resultou em indicadores positivos e históricos para a Região Oeste do Paraná, em especial para sua terra natal, Foz do Iguaçu. A cidade deixou de ser vista como rota de contrabando para transformar-se em um dos principais destinos turísticos do país e polo universitário e tecnológico regional.
Logo no início da sua profícua gestão, Samek liderou a criação do PTI, reformando e reaproveitando as instalações abandonadas que haviam sido alojamento dos barrageiros solteiros durante a construção da hidrelétrica. Essa iniciativa serviria como catalisador para que, em poucos anos, Foz do Iguaçu e região atraíssem um conjunto de instituições públicas de ensino (UAB, UNILA, UTFPR e IFPR) e se convertesse em um dinâmico centro de educação superior, pesquisa aplicada, desenvolvimento e inovação tecnológica.
É importante destacar que, embora tenha recebido pouco reconhecimento por isso, o prestígio de Samek junto ao presidente Lula teve peso decisivo na escolha de Foz do Iguaçu como sede da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). O PTI cederia suas instalações reformadas para que a nova universidade entrasse em funcionamento no segundo semestre de 2010. O apoio financeiro e logístico da Itaipu também foi fundamental para viabilizar a implantação do curso de Medicina da UNILA, que pode contar desde o início com o Hospital Itamed como hospital-universitário.
Como o mais longevo DGB na história da binacional, Samek logrou construir uma relação de confiança e respeito mútuo com os sucessivos gestores paraguaios. E foram muitos. Enquanto ocupou o cargo, o Paraguai teve cinco presidentes e sete diretores-gerais em Itaipu. Com todos eles, Samek cultivou diálogo franco e produtivo, a ponto de ter se tornado, aos olhos das lideranças daquele país, de diferentes matizes partidários e ideológicos, um confiável e leal “amigo do Paraguai”.
Sua notável habilidade na condução das relações bilaterais não veio por acaso. Samek assimilou como poucos o verdadeiro ethos dos paraguaios, por quem sempre demonstrou uma genuína empatia. Filho da fronteira, sempre soube que limites geográficos não se impõem sobre vínculos de vizinhança, amizade, cultura e destino comum. Por índole e aprendizado de várias décadas nas lides políticas, Samek é um homem de escuta ativa, fala direta, espírito conciliador e agregador. Ele acredita que a integração e a cooperação são sempre o melhor caminho para promover o bem comum. E foi justamente esse perfil que ele aperfeiçoou à frente da Itaipu e que lhe permitiu conduzir com maestria as difíceis negociações bilaterais cotidianas, assegurando estabilidade institucional e convivência harmoniosa em todos os níveis hierárquicos da binacional.
Foi na sua gestão que foram concluídas, comissionadas e colocadas em operação as últimas duas unidades geradoras, inauguradas em 2007. Samek modernizou e deu transparência à gestão compartilhada com os paraguaios da binacional. Uma das primeiras medidas saneadoras adotadas foi instituir processo seletivo externo para a contratação de empregados, colocando fim à prática clientelista de indicações políticas. Assim, abriu a empresa, democratizou as oportunidades ofertadas, garantindo transparência e isonomia de acesso.
Quem convive com Samek sabe bem que ele é, por natureza, um otimista incorrigível. Pessoa de riso fácil, memória prodigiosa e olhar curioso, mantém-se atualizadíssimo tanto sobre os movimentos da política brasileira quanto sobre o delicado tabuleiro político paraguaio, bem como sobre as transformações dos setores da agricultura familiar, agronegócio e energia. Mesmo afastado de cargos públicos há mais de oito anos, é reconhecido e procurado como um observador atento, lúcido e dono de raríssima inteligência intuitiva e prospectiva.
Samek é, antes de tudo, um apaixonado pela vida. Lembro de uma jornada memorável em Madri, em maio de 2017, logo depois de ele deixar a Itaipu. Finamente, deu-se o direito ao descanso e viajou para a Europa com sua esposa, Maria Olivia. Por coincidência, no fim de semana em que chegou à capital espanhola – depois de dispender alguns dias em Portugal e na França – acontecia o clássico dos clássicos: Real Madrid contra o Barcelona de Messi e Neymar. Sem compra antecipada de ingressos, a única alternativa era recorrer aos cambistas.
Mas a oportunidade única de assistir a um jogo histórico falou mais alto e Samek não hesitou em pagar um preço extravagante por duas entradas. A seu convite, fui com ele ao estádio Santiago Bernabéu. No intervalo do jogo, quanto me prontifiquei a comprar cervejas, ele se daria conta de que a carteira, que levava desatentamente no bolso de trás, tinha sido furtada, possivelmente na entrada tumultuada para as arquibancadas. Prejuízo de mais algumas centenas de euros. Tudo contabilizado, a jornada num dos templos do futebol mundial saiu muito cara.
Felizmente, as duas equipes não decepcionaram e proporcionaram um belo duelo vencido pelo visitante Barcelona por 3 a 2, com direito a gol de desempate de Messi, convertido nos minutos finais da partida. Um episódio anedótico que, para além de ratificar sua conhecida paixão pelo futebol, sintetiza sua filosofia: a vida vale a pena quando se vive com intensidade.
Nem tudo, porém, foram vitórias e celebrações. Pouco depois dessa viagem memorável, a vida lhe impôs um dos mais duros golpes: a recidiva de câncer enfrentada por sua esposa, Maria Olivia, que causaria sua morte, em março de 2019. Uma perda devastadora para toda a família. E, quando o luto ainda era recente, veio a pandemia da Covid-19, que o atingiu como uma das variantes mais agressivas. Foi parar na UTI por vários dias, mas venceu a doença. A experiência não o abateu. Ao contrário, reacendeu nele a paixão pela vida e a convicção de que cada dia é dádiva a ser celebrada.
Samek cultiva afetos e não se cansa de demonstrar gratidão às pessoas do seu convívio. Cultiva amizades que já duram mais de meio século, não hesitando em atravessar o Estado ou o país para abraçar um amigo, uma conversa demorada, um churrasco no quintal. E é também um homem de opinião. Defende com assertividade suas posições políticas, acredita e confia na liderança de Lula e, com sua leitura acurada de conjuntura, ousa discordar de análises pessimistas sobre os rumos atuais do Brasil. Aposta que o presidente vai recuperar a popularidade e que chegará competitivo na disputa de 2026.
Mesmo recolhido à vida privada há mais de dois anos, Samek está longe de passar despercebido. Quem testemunhou, por exemplo, sua passagem pelo último Show Rural de Cascavel, em fevereiro passado, viu um Samek faceiro, circulando desenvolto pelos amplos pavilhões e espaços abertos da feira. Por onde passou, foi cortejado e prestigiado por cooperativistas, líderes do agronegócio e até pelo governador Ratinho Jr., que fez questão de convidá-lo a subir ao palco. Um reconhecimento natural, espontâneo, fruto da trajetória de quem nunca perdeu o vínculo com as origens e manteve o respeito de todas as correntes políticas e econômicas do Estado. Circula com a alegria de quem se sente em casa entre seus concidadãos.
Na política, não deixou desafetos, nem muito menos inimigos. Sempre gostou de abrir seus discursos repetindo o mesmo mantra: “A gratidão é a maior virtude do ser humano. A ingratidão é seu pior defeito.” Com essa filosofia de vida, desde que cumpriu a árdua missão de servir como vice do ex-governador Roberto Requião, nas eleições de 2022, retirou-se da cena pública para cuidar de sua extensa família, dedicando especial atenção à sua mãe nonagenária, e para desfrutar da companhia de Marisa — com quem reatou uma história de amor da juventude digna de folhetim, depois de um interstício de mais de quatro décadas.
Nos encontros recentes com os amigos, que se tornaram mais frequentes, Samek tem se mostrado muito feliz com a vida discreta que vem levando desde que encerrou — definitivamente, assegura — o ciclo na política, agora sem o peso, a pressão e as cobranças inerentes ao ofício. Quem o conhece sabe que o polaco é imune a qualquer ressentimento, rancor e mágoa. Com seu espírito livre leve, poderia recitar o verso imortal de Mário Quintana: “Eles passarão / eu passarinho.”
O que mais me impressiona em Samek é sua coerência ao longo de mais de quatro décadas de dedicação à causa pública. Transcorridos tantos anos, diferentes governos, vitórias e derrotas, jamais abandonou o compromisso com suas raízes. Conhece o valor da terra e da gente do campo, respeita quem a cultiva, sabe que os grandes projetos nacionais se constroem de baixo para cima e que a soberania energética de um país não é apenas medida em megawatts, mas em relações sólidas, em gestos de confiança e no respeito às diferenças.
Ao chegar aos 70 anos, Samek segue como referência ética para quem acredita na escolha da política como vocação e ferramenta de transformação social. Um iguaçuense da gema que honra sua terra e sua gente. Sua trajetória é um belo exemplo de coerência, espírito público e altruísmo.
Bravo, Samek! Que a vida lhe continue sendo generosa e dadivosa, como você sempre tem sido com todos nós que, por esses anos todos, tivemos o privilégio da sua convivência e amizade.
Paulino Motter, jornalista e servidor federal. Foi assistente de Jorge Samek na Diretoria-Geral Brasileira da Itaipu Binacional, de 2007 a 2015, com um interstício de dois anos, entre 2010 e 2012, quando colaborou na implantação da UNILA. A parceria e amizade entre ambos vem desde o início da década de 1990.