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De Brasília a Nova Délhi: como Trump erra a mão e fortalece os BRICS

Por Paulino Motter

A Índia é o mais novo alvo das retaliações tarifárias da Casa Branca. Depois de impor taxas de 50% sobre as exportações brasileiras, sob a desculpa esfarrapada de “perseguição” judicial ao ex-presidente Jair Bolsonaro, Donald Trump decidiu dobrar a aposta contra Nova Délhi. O argumento agora é a importação de petróleo russo. O método é o mesmo: primeiro 25% de tarifa “punitiva”, depois mais 25% para mostrar quem manda.

Mas se a intenção era disciplinar aliados e reafirmar a supremacia americana, o efeito tem sido o contrário. A economia indiana sofre o impacto imediato, é verdade — especialmente nos setores de têxteis, joias e frutos do mar. O Brasil também já sente o baque em commodities agrícolas e manufaturas. Só que, no médio prazo, o resultado é paradoxal: Trump cria laços de solidariedade entre os alvos da sua própria política.

É o que veremos nesta semana, quando o primeiro-ministro Narendra Modi desembarca em Pequim para uma visita histórica. A Índia e a China, que mantêm rivalidades de décadas, encontram agora um motivo comum para a aproximação: resistir às sanções arbitrárias de Washington. O gesto pode redefinir a geopolítica asiática e abrir caminho para uma concertação inédita dentro dos BRICS.

O Brasil, por sua vez, não assiste passivamente a esses movimentos. Ao contrário: mantém uma política externa ativa e altiva. Na segunda-feira, o presidente Lula recebeu em Brasília o chefe de Estado da Nigéria, Bola Tinubu, reforçando os vínculos estratégicos com a África. Nas últimas semanas, conversou por telefone tanto com o líder chinês quanto com o primeiro-ministro indiano, em busca de uma frente coordenada contra as retaliações americanas. A solidariedade expressa por Pequim e Nova Délhi ao Brasil expõe o desgaste da Casa Branca e reafirma a centralidade do Itamaraty na construção de alternativas multilaterais.

Trump gosta de se apresentar como mago da arte da negociação. Mas, ao tentar dobrar parceiros com tarifas abusivas, blefes, chantagens e ameaças, entrega de bandeja um pretexto para a consolidação de um eixo contra-hegemônico. O que parecia impensável — Índia e China em diálogo estratégico, Brasil reafirmando sua voz independente, Rússia recuperando fôlego com o petróleo que irrita Washington — torna-se realidade política diante da retórica de força bruta americana.

É importante lembrar, porém, que a aproximação entre Brasil e Rússia não significa alinhamento automático. Brasília mantém sua autonomia e não se deixa confundir com o projeto de Moscou. O que o Itamaraty busca é ampliar as bases do multilateralismo, fortalecer o Sul Global e afirmar o protagonismo ambiental brasileiro. Ao mesmo tempo, Trump segue no caminho inverso: reabilitou Vladimir Putin num encontro bilateral no Alasca e, nesta semana, rasgou elogios ao norte-coreano Kim Jong-un, com quem anunciou a intenção de uma nova reunião. Bajula autocratas, mas tenta humilhar parceiros democráticos.

A diplomacia não se constrói com ultimatos. O que a Casa Branca chama de “reciprocidade” é percebido no resto do mundo como intimidação. E intimidação, em pleno século XXI, não intimida: aproxima. Aproxima Nova Délhi de Pequim, aproxima Brasília de Joanesburgo e Abuja, aproxima todos os alvos de Trump em torno da ideia de que nenhum país deve ser refém do humor presidencial americano.

A nova geopolítica mundial se reorganiza diante dos olhos do planeta. Se antes o centro gravitacional da política global orbitava exclusivamente em torno de Washington e Bruxelas, agora há uma pluralidade de polos — Pequim, Nova Délhi, Brasília, Joanesburgo, Jacarta e Abuja. O mundo deixa de ser unipolar e caminha para uma multipolaridade efetiva, com o Sul Global articulando respostas conjuntas ao protecionismo e à arrogância das potências ocidentais.

É nesse contexto que o Brasil aposta no multilateralismo como estratégia de inserção internacional. A COP30 em Belém, que já se anuncia como o maior fórum ambiental da década, será a vitrine do novo status brasileiro. Muito provavelmente os Estados Unidos boicotarão o encontro, incapazes de aceitar um protagonismo que não lhes pertence. Mas essa ausência apenas reforçará a evidência de que o futuro da governança global não passa mais apenas por Washington, e sim por um concerto ampliado de nações dispostas a defender o planeta e a dignidade dos povos contra a lógica da intimidação tarifária.

No fim das contas, Trump erra feio a mão, mesmo disfarçando hematomas com maquiagem. O que era para ser demonstração de poder vira catalisador de uma aliança mais sólida entre países que não aceitam o papel de figurantes no concerto internacional. Os BRICS, tão frequentemente subestimados, encontram nas tarifas de Trump uma razão inesperada para se tornarem ainda mais relevantes.

professor Paulino Motter
Foto: Acervo pessoal
  • Paulino Motter é jornalista e gestor público

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