A professora Chloris Casagrande Justen chegou à Secretaria de Educação, naquele final de ano de 2014, com vários assuntos para discutir com o secretário Flávio Arns. Uma mulher pequena, magra e aparentando fragilidade, mas com olhos brilhantes e atentos mostrando uma mente ágil, ela desceu do carro e se dirigiu ao gabinete do secretário. Chloris, professora normalista, havia sido diretora do Instituto de Educação e era bem conhecida dos professores antigos da Secretaria. Seu histórico incluía ter presidido o Centro Paranaense Feminino de Cultura, e ser membro e presidente da Academia Paranaense de Letras, um reduto de intelectuais e escritores. Sua energia, suas ideias e projetos não condiziam com seus 91 anos de idade.
Sua vinda à Secretaria foi o primeiro tiro da batalha que Chloris estava iniciando. A Academia Paranaense de Letras estava sem sede. E ela foi pedir ajuda ao secretário Flávio Arns para que a academia usasse como sede o prédio do Belvedere, no Alto São Francisco, que estava abandonado e quase em ruínas. Ela era uma mulher ambiciosa. Não era apenas uma sede para a instituição. Em sua visão, o local, ocupado e revitalizado, seria um observatório da cultura paranaense, um centro focal para estudiosos e interessados nas coisas do Paraná.
Impulsionado pelo apoio do secretário de Educação, o governador Beto Richa fez aprovar uma lei autorizando a cessão do imóvel à Academia. Isto foi em dezembro de 2014.
A Praça João Cândido, no Alto São Francisco, sempre foi uma típica pracinha de pacata cidade do interior. O Belvedere, um prédio art noveau, lá construído pelo prefeito Cândido de Abreu, em 1915, para ser um mirante, visto que era um dos pontos mais altos da aldeia curitibana, havia passado por várias vidas. Mirante, sede da Rádio Clube Paranaense (a primeira rádio da cidade, a famosa PRB2), observatório astronômico da Faculdade de Engenharia, sede da União Cívica Feminina, e finalmente, mocó de viciados. O Belvedere estava marcado para morrer, com suas madeiras antigas, ótimas para uma fogueira de craqueiros friorentos. As ruínas de São Francisco, ao lado, estavam tomadas pelo mato e haviam se transformado em um banheiro para os passantes, contrastando com a bela arena que faz muro com a Sociedade Garibaldi.


Chloris pessoalmente vistoriou o local. Quase destruído, tomado por lixo e dejetos humanos, o antes luminoso e brilhante Belvedere estava em uma situação lamentável. Não se tratava de reformar um prédio. Era necessário recuperar a praça para a cidade.
Flávio Arns foi novamente acionado pela incansável Chloris Casagrande Justen. Ambos começaram a bater os tambores, chamando todos à batalha. O Museu Paranaense, que fica em frente, transformou-se em quartel-general dos combatentes, cedido por Renato Carneiro Jr, o diretor. A vizinhança compareceu em massa: a Sociedade Garibaldi, os escoteiros (a União dos Escoteiros do Brasil tem sua sede ao lado), o escritório de Advocacia Andersen Ballão, a loja Geppeto, o restaurante Madero, o Bar do Alemão, a Associação dos Artistas Plásticos, a Rede Empresarial do Centro Histórico. Mostrando que o tema é ecumênico, a Associação Beneficente Muçulmana lá esteve, pois a mesquita é vizinha da praça, e sentou-se ao lado do representante da Arquidiocese de Curitiba, também vizinha do Belvedere.
Todos os órgãos públicos foram chamados e lá compareceram. Mais de quarenta entidades, públicas e privadas, estaduais e municipais, participaram dos trabalhos. Vereadores vieram, acreditando no projeto. Federação do Comércio, SESC, SENAC se dispuseram a colaborar. Pessoas interessadas na recuperação da área compareceram. Foi um gigantesco esforço cooperativo que juntou autoridades dos diversos escalões e pessoas comuns. Nas atas consta a presença de Key Imaguire Júnior, que se registrou modestamente como “morador”. Key Imaguire é um professor de arquitetura e talvez o maior especialista em arquitetura brasileira do Estado (entre outras coisas). Também presente, a arquiteta Rosina Parchen, que era a coordenadora do Patrimônio Histórico do Estado e a maior especialista do Estado na área de preservação arquitetônica.
O prédio, ocupado pelos moradores de rua, pegou fogo e quase foi destruído.

Este acontecimento despertou a urgência de todos. Os documentos legais que possibilitavam a intervenção dos diversos órgãos públicos, municipais e estaduais, já haviam sido assinados. O IPPUC havia elaborado os projetos. O Patrimônio Histórico havia aprovado o restauro. O prefeito Rafael Greca pôs a mão na massa e o prédio e o entorno foram revitalizados e finalmente reinaugurados. No térreo, um café do SENAC, dedicado a quitutes paranaenses. No alto, apropriadamente, a sede da Academia Paranaense de Letras. Um pouco abaixo, na Rua Saldanha Marinho, onde antes era a sede da Sinagoga, a Polícia Militar se instalou, ficando mais próxima do Centro Histórico, e assegurando proteção à região. As ruínas de São Francisco passaram a integrar um conjunto harmonioso, entre a arena e o prédio. A Praça João Cândido passou a ser frequentada por turistas e habitantes da cidade. O Belvedere voltara à sua antiga glória.
Chloris Casagrande Justen conseguira.
Ela tinha 97 anos quando o prédio foi reinaugurado, em 2019. Obrigado, Chloris. Curitiba agradece.
Chloris, uma intelectual, escritora, educadora e agitadora cultural – hoje seria chamada de influencer -, era de tradicional família curitibana, viúva de um notável desembargador, Marçal Justen. Faleceu aos 101 anos, em 8 de outubro de 2024, deixando três filhos: o advogado Marçal Justen Filho, autor de obras na área de contratos e licitações que são livro de cabeceira de dez entre dez advogados, juízes e promotores da área; Chloris Elaine, casada com o desembargador Ruy Fernando de Oliveira; e Liana Márcia, educadora ambiental.

- Hatsuo Fukuda, advogado e ex-procurador do Estado.